sábado, 30 de março de 2013

Stalin é considerado como sádico, mas adorado por boa parte dos russos


Historiador levanta debate sobre ditador responsável pela morte de milhões, e que, ainda assim, passou a ser visto como herói nacional na Rússia
Apoio. Eleitores do Partido Comunista marcharam com bandeiras de Stalin no Dia dos Trabalhadores, no ano passado, em Moscou. Foto: Mikhail Metzel / Mikhail Metzel/AP
Apoio. Eleitores do Partido Comunista marcharam com bandeiras de Stalin no Dia dos Trabalhadores, no ano passado, em Moscou. Mikhail Metzel / Mikhail Metzel/AP


BERLIM - Sessenta anos depois da morte de Josef Stalin, um livro escrito pelo historiador alemão Jörg Baberowski reabre o debate sobre um dos piores ditadores do século XX, responsável pela morte de seis a vinte milhões de pessoas. Em “Verbrannte Erde, Stalins Herrschaft der Gewalt” (ou “Terra queimada, o regime de violência de Stalin”), Baberowski, da Universidade Humboldt de Berlim, afirma que o ditador, morto em 1953, era um psicopata, um sádico, que não apenas mandava matar tendo em vista metas políticas.
- Ele ficava satisfeito ao ver o sofrimento das suas vítimas - diz Baberowski, lembrando que, se não tivesse sido um ditador, teria provavelmente se tornado um criminoso psicopata.
Ainda assim, seis décadas depois da sua morte e da revolução cultural iniciada por Nikita Kruschev, Stalin voltou a ser visto na Rússia como um herói nacional porque, segundo especialistas, representa a lembrança de uma era de apogeu, a época em que a União Soviética venceu o maior inimigo do mundo, o exército nazista de Adolf Hitler.
Se na Alemanha não há nenhuma dúvida sobre o papel de criminoso e de assassino das massas de Hitler, na Rússia Stalin continua dividindo opiniões. Depois dos anos de ostracismo, durante os governos de Mikhail Gorbachev e de Bóris Yeltsin, o antigo ditador voltou a ser venerado não só pelos comunistas, fora do poder desde 1991. Desde o início da era do presidente Vladimir Putin, em 2000, ele voltou a ter um papel mais heroico.
De acordo com o Centro de Pesquisa Lewada, de Moscou, 32% dos russos e moradores das antigas repúblicas soviéticas veem Stalin de uma forma negativa. No entanto, para 47% da população, Stalin teve um papel positivo, enquanto que 18% são ainda stalinistas convictos. A maioria vê o ditador não apenas como o homem que venceu Hitler, mas também como o responsável pela industrialização da União Soviética e por sua transformação em uma superpotência, diz a pesquisa.
Fundador de uma superpotência
De fato, os novos livros didáticos, reescritos por iniciativa do Kremlin, mostram Stalin como um “bom estadista” e “fundador de uma superpotência”. A “potência” deixou de existir com a desintegração da União Soviética, em 1991, mas a nostalgia das antigas dimensões do império ainda hoje une os russos. Outro sinal da divisão dos russos em relação a Stalin, que nasceu na cidade de Gori (hoje Geórgia), em 1879, como Josef Vissarionovitch Djugasvili, pode ser visto esta semana, período em que é lembrado o 60º aniversário de morte do ditador.
Enquanto Gennadi Zyuganov, chefe do partido comunista russo - o segundo maior no Parlamento, depois do “Rússia Unida”, do presidente Putin - falava sobre Stalin como “o estadista que tirou o império da crise”; Arseni Roginski, da ONG “Memorial”, lembrou que nada mais define Stalin do que a lembrança dos anos de 1937 e 1938, quando milhões de pessoas foram presas e 700 mil condenadas à morte.
- Se comparamos os piores ditadores do século XX, Adolf Hitler e Josef Stalin, podemos notar que Stalin tinha uma relação mais pessoal com a violência. Ele ficava satisfeito ao ver o sofrimento das suas vítimas, dos inimigos que mandava eliminar. Hitler foi igualmente um terrível ditador, claro, mandava também matar milhões, mas tinha uma relação mais distante com a violência. Não necessariamente gostava de ver as imagens - opina Baberowski.
O homem que, de 1924 a 1953, transformou a União Soviética em um “império da paranoia” não sabia mais, no final, diferenciar os amigos dos inimigos e mandava matar também os primeiros, porque estava sempre em busca de um novo alvo. Quando ele falava, precisava ser aplaudido por muito tempo. Se alguém, mesmo um aliado, parasse de aplaudir cedo demais, arriscava ser condenado à morte.
- Ele mandava matar as pessoas por banalidades e com isso mostrava aos que sobreviviam o que podia acontecer com aqueles que não aceitassem a submissão completa - diz Baberowski.
Quem, desde cedo, não aceitou as regras ditadas por Stalin foi Lew Bronstein, mais conhecido como Leon Trótsky, que se considerava herdeiro natural de Vladimir Lenin, mas perdeu a luta pelo poder contra seu adversário. Stalin tinha mais o apoio das pessoas simples, das aldeias, das minorias, dos que entendiam pouco do intelectualismo de Trótsky, que fugiu para o exílio, sendo assassinado no México.
Embora o chamado “trotskismo” tenha entrado para a História como o ideal do marxismo, Baberowski desfaz a ilusão de que Trótsky teria sido muito melhor do que Stalin. O que teria acontecido se Stalin tivesse perdido a luta pelo poder? Para Baberowski, Trótsky não teria sido um humanista, como muitos pensam, mas, acredita, tampouco seria um sádico, como Stalin.
- Com Trótsky à frente do PC soviético, o cenário teria sido também sangrento - defende. - Mas o terror teria sido menor no sentido de que Trótsky não teria tido a mesma paranoia que teve Stalin, que mandava matar também os adeptos e aliados.
Quando Stalin morreu, em 5 de março de 1953, mesmo as suas vítimas, os perseguidos que tinham voltado da guerra contra Hitler e tinham sido levados diretamente para os gulags, os campos de concentração soviéticos, reconheciam a importância da vitória da “grande guerra da pátria”, como a Segundo Guerra é chamada.
Em pouco tempo, no entanto, as pessoas mudaram de opinião sobre Stalin. Quando seu sucessor, Nikita Kruschev mandou abrir os arquivos do stalinismo, assumindo a sua própria responsabilidade por alguns dos crimes cometidos, um clima de primavera, de revolução cultural, tomou conta da União Soviética. Quem divergia do regime, não era mais executado, mas apenas “aposentado”. No plano cultural, começaram a acontecer coisas impensáveis durante o domínio de Stalin.
A sociedade estava traumatizada, mas começava, lentamente, a gozar das novas liberdades, como assistir a uma exposição de quadros de Pablo Picasso, o que antes era proibido, ou a um concerto de jazz de uma banda americana. E o livro de Alexander Soljenítsin, prêmio Nobel de Literatura de 1970, pode ser publicado no país, em 1962.
Os ventos amenos da primavera soviética sob Kruschev terminaram bruscamente em 1964. A crise de abastecimento, os problemas econômicos e a expansão do movimento dos dissidentes fizeram com que os comunistas fundamentalistas, liderados por Leonid Brejnev, assumissem o poder em 1964. Com Brejnev, terminou o processo de prestação de contas com a era sombria do stalinismo. Hoje, embora não negue os crimes do stalinismo, o Kremlin procura enfatizar o lado positivo de Stalin como o herói da Segunda Guerra.

Fonte: O Globo

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Frases

" O julgamento do mensalão é importantíssimo. Ratifica a democracia brasileira numa região que não é pródiga em democracia, que é a América Latina"

Djavan, cantor e compositor.

quarta-feira, 25 de abril de 2012

Já passou da hora de o STF tomar jeito


 MARCO ANTONIO VILLA


 Marcelo


O encerramento do mandato de Cezar Peluso à frente do Supremo Tribunal Federal pode significar uma mudança positiva no rumo daquela Corte? É difícil supor que subitamente o STF passe a agir de forma republicana, cumprindo suas funções constitucionais. O clima interno é de beligerância. A cerimônia de posse do presidente Ayres Britto sinalizou que o provincianismo continua em voga. Foi, no mínimo, constrangedora a presença de Daniela Mercury cantando (mal) o Hino Nacional. Mas pior, muito pior, foi o momento em que a cantora recitou um poema do presidente recém-empossado, já chamado de ministro pirilampo: "Não sou como camaleão que busca lençóis em plena luz do dia. Sou como pirilampo que, na mais densa noite, se anuncia." Mas como tudo o que é ruim pode piorar, o discurso de posse foi recheado de metáforas. Numa delas disse algo difícil de supor que seria pronunciado naquele recinto (e mais ainda por um presidente): "A silhueta da verdade só assenta em vestidos transparentes."


O clima circense (os mais otimistas dirão: descontraído) da posse é uma mostra de como as instituições republicanas estão desmoralizadas. Teremos uma curta presidência Ayres Britto. Logo o ministro vai se aposentar. Pouco antes, Cezar Peluso também vai seguir o mesmo caminho. A presidente Dilma Rousseff dificilmente vai nomear dois ministros para preencher as vagas. Assim, teremos um STF com 9 membros, paralisado, com milhares de processos para julgar. E, para dar mais emoção, tendo na presidência Joaquim Barbosa. Ah, teremos um segundo semestre inesquecível naquela Corte.


Peluso saiu da presidência atirando. Foi sincero. Demonstrou o que é: autoritário, provinciano, conservador, corporativista e com uma questionável formação jurídica. Fez Direito na Faculdade Católica de Santos. Depois teve na USP como orientador Alfredo Buzaid, ministro da Justiça do presidente Médici. Não viu nada de anormal. Devia comungar das ideias de Buzaid. Afinal, a tese foi feita quando ele era ministro do governo mais repressivo da ditadura. Com a redemocratização, Peluso buscou outras companhias. Acabou se aproximando dos chamados setores progressistas. O poder tinha se deslocado e ele, também.


Na entrevista ao site Consultor Jurídico, disse que organizava reuniões domésticas com os teólogos Leonardo Boff e Gustavo Gutierrez. Relatou que ficou impressionado quando Gutierrez alertou sobre a importância do ato de comer na Bíblia. Sim, leitor, o que chamou a atenção de Peluso, na Bíblia, foi a comida. Sem nenhum pudor, disse que uma carta do cardeal Dom Paulo Evaristo Arns foi determinante para sua escolha para o STF pelo ex-presidente Lula. Como se um assunto de Estado fosse da esfera da religião, esquecendo que a Constituição (e desde a primeira Carta republicana, a de 1891) separou a Igreja do Estado.


Atacou frontalmente a ministra Eliana Calmon, corregedora do CNJ. Afirmou que sua atuação estava pautada pela mídia e pelo desejo de fazer carreira política. E, mais, que não obteve nenhum resultado prático da sua ação. Fugiu à verdade. Se não fosse a corajosa atuação da corregedora, por exemplo, não ficaríamos sabendo dos fabulosos "ganhos eventuais" dos desembargadores paulistas (Peluso incluso - teria recebido 700 mil reais).


Peluso foi descortês com os colegas do STF. Na votação sobre as atribuições do CNJ, fez de tudo para ganhar a votação. Interrompeu votos, falou diversas vezes defendendo seu ponto de vista e mesmo assim perdeu. Imputou a derrota à ministra Rosa Weber, que teria dado o voto decisivo. Deixou no ar que ela votou sem ter conhecimento pleno do processo. Nos ataques aos colegas, não poupou o ministro Joaquim Barbosa. Insinuou que ele não gostava de trabalhar. Era inseguro. Que frequentava bares. E que não tinha nenhuma doença nas costas. O estereótipo sobre Barbosa é tão vil como aqueles produzidos logo após 13 de maio de 1888.


Apontei em três artigos no GLOBO alguns problemas do STF ("Um poder de costas para o país", "Triste Judiciário" e "Resta, leitor, rir"). O mau funcionamento daquela Corte não deve ser atribuído somente aos bate-bocas de botequim ou a alguma questão conjuntural. O STF padece de problemas estruturais. Deveria ser um tribunal constitucional, mas não é. Virou um tribunal de última instância. É lento, pesado. Tem de melhorar o desempenho administrativo. E o problema, certamente, não é a escassez de funcionários. São 3 mil. Os ministros tiram muitas licenças. Tudo é motivo para a suspensão dos trabalhos. E não é de hoje. A demora para a indicação de vagas abertas no tribunal também é um complicador.


Tudo indica que a questão central para o bom funcionamento do STF é a forma de como são designados os ministros. De acordo com a Constituição, a iniciativa é do Executivo. O nome é encaminhado, também segundo o rito constitucional, para o Senado. E lá deveria - deveria - ser sabatinado pelos senadores. São dois problemas. Um é a escolha presidencial. Não tem se mostrado o melhor método. Os nomes são questionáveis, as vinculações pessoais e partidárias são evidentes. E o selecionado geralmente está muito abaixo do que seria aceitável para uma Corte superior. Já a sabatina realizada pelos senadores não passa de uma farsa. A última, da ministra Rosa Weber, foi, no mínimo, constrangedora. A ministra mal conseguia articular uma frase com ponto final. Disse que estava muito nervosa. Foi dado um intervalo para café. No retorno, infelizmente para nós brasileiros, o desempenho da senhora Weber continuou o mesmo. Já passou da hora de o STF tomar jeito.


MARCO ANTONIO VILLA é historiador.

Fonte - O Globo - 24/04/2012

terça-feira, 24 de abril de 2012

Malvinas: como a Argentina enganou o governo brasileiro

Surpreendido, general Figueiredo entregou condução da crise aos civis do Itamaraty

Na tarde de quinta-feira, 1 de abril de 1982, a embaixada brasileira em Buenos Aires enviou uma mensagem para o Ministério das Relações Exteriores, em Brasília. O telegrama passava ao largo da crise diplomática entre a Argentina e o Reino Unido, que crescia desde março e motivara uma reunião de emergência do Conselho de Segurança das Nações Unidas.
Numa dúzia de linhas, o embaixador Carlos Frederico Duarte relatou a comemoração da noite anterior pelo 18º aniversário do golpe de 1964 no Brasil. E registrou sua homenagem ao governo local com a entrega — "em cerimônia solene"— das principais insígnias do Exército e da Marinha brasileira a seis oficiais argentinos.
Quatro dos condecorados pelo embaixador foram, recentemente, condenados por sequestros de bebês recém-nascidos, filhos de presos políticos, tortura, assassinatos e roubo de propriedades dos detidos. São eles: almirante Juan Lombardo (Mérito Naval brasileiro); general de divisão Juan Ricardo Trimarco (Mérito Militar); e os coronéis Mario Davico e Ángel Gómez Pola (Medalhas do Pacificador).
O telegrama foi recebido no Itamaraty às 18h, quando os fuzileiros Diego García Quiroga e Jacinto Eliseo Batista, sob uniformes de combate e rostos pintados com graxa, repassavam mapas e fotografias de alvos considerados estratégicos para os comandos de assalto. Quiroga viajava oculto na água, em um submarino. Batista deslizava na superfície do Atlântico Sul, a bordo de uma fragata. Atrás deles vinham 40 navios, com os milhares de soldados mobilizados em todo o o país e embarcados nas bases de Puerto Belgrano e Ushuaia, no sul. A frota avançava rápido na direção de um arquipélago a 500 quilômetros do continente.
Quando terminou de jantar, por volta das 22h30m daquela quinta-feira, o embaixador brasileiro recebeu um telefonema do chanceler argentino Nicanor Costa Méndez. O diálogo beirou a trivialidade — exceto por um detalhe: Costa Méndez avisou que no dia seguinte deveria haver "alguma novidade" sobre a crise diplomática com o Reino Unido. "Provavelmente", ele disse, "algum enfrentamento no âmbito do Conselho de Segurança das Nações Unidas".
Duarte anotou e pediu para ser avisado "sobre a evolução". Não sabia, mas enquanto ouvia Méndez, o presidente da Argentina, general Leopoldo Galtieri, falava ao telefone com o presidente dos Estados Unidos, Ronald Reagan, que tentou fazê-lo recuar da invasão das Malvinas — sem êxito. Não sabia, também, que ao entregar uma insígnia da Marinha brasileira ao almirante Juan José Lombardo havia condecorado o comandante do Teatro de Operações do Atlântico Sul — designado em segredo três meses antes.
O embaixador desligou o telefone e compartilhou impressões com seu principal conselheiro, o diplomata Luiz Mattoso Amado Maia. Antes de dormir, eles enviaram mais um telegrama a Brasília comentando "o tom alarmista" da imprensa em relação à crise. Até o final de suas carreiras, Duarte e Maia não perceberam que haviam sido enganados pelo governo argentino e, sobretudo, por Méndez. O chanceler esteve diretamente envolvido no plano de invasão desde a posse, em dezembro de 1981. E estimulara a Junta Militar a antecipar o "Dia D", originalmente previsto para maio.
O embaixador foi dormir quando a Argentina entrava em uma guerra com o Reino Unido
No fim daquela noite o ministro brasileiro das Relações Exteriores, Ramiro Saraiva Guerreiro, chegou a Nova York. Vinha da China e, exausto, foi dormir. Acordou na manhã de sexta-feira, 2 de abril, com o assessor Bernardo Pericás socando a porta do quarto, para avisar que jornalistas o esperavam no saguão do hotel. "Falo no Brasil" — resmungou, imaginando que o assunto era sua viagem à China. "Não, ministro", replicou o assessor, "eles querem falar logo com o senhor, porque a Argentina invadiu as Malvinas".
Aos 64 anos, Guerreiro se tornara um profissional do cálculo político. Detestava surpresas, assim como não surpreendia — falava com tom monocórdio e até parecia dormir durante os próprios discursos. Somava três décadas de experiência na diplomacia com a sagacidade adquirida no trabalho de comissário de polícia na zona do Mangue, efervescente área de prostituição do Rio de Janeiro nos final dos anos 30. Agora, estava ali, apanhado "de robe de chambre" num quarto de hotel — como registrou nas memórias—, absolutamente surpreso, perplexo e incrédulo. "Isso é maluquice!" — desabafou.
Vestiu-se, desceu e improvisou: 1) Desde 1833, no Império, o Brasil apoiava a reivindicação de soberania da Argentina sobre o arquipélago; 2) Sempre apostou em uma solução do problema pacífica, mas diante da ocupação das ilhas só restava esperar que a situação não se agravasse ainda mais.
A declaração ressoava cautela, pontuava coerência histórica no apoio, continha uma crítica velada à invasão e demonstrava senso de oportunidade na crise. O presidente João Figueiredo, incomodado porque também soube pelos jornais, decidiu que seria essa a moldura política das ações do governo na crise.
Guerreiro, que tinha laços de parentesco com o segundo homem-forte do governo, Otavio Medeiros, chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI), concordava com Figueiredo em qualificar como "privilegiada" a relação com a Argentina. Sobravam motivos: haviam superado o impasse sobre uso hidrelétrico da Bacia do Prata, tornando viável a Usina de Itaipu, em fase final de construção. Além disso, avançavam em negociações sobre um acordo nuclear.
O confronto com o Reino Unido se tornava irreversível e a diplomacia passou a caminhar no fio da navalha: o Brasil não podia correr risco de isolamento continental, com a impressão de que apoiava o Reino Unido -— até porque não apoiava; mas, também, evitava um alinhamento incondicional com a Argentina. Havia o temor de uma conflagração geral na América do Sul, caso os britânicos atacassem as bases argentinas no continente. E, pelas informações consolidadas no Conselho de Segurança Nacional, não existia espaço para recuo dentro da Junta Militar. Um gesto de flexibilidade do presidente, general Galtieri, poderia ser percebido como "fraqueza" — dizia uma das análises — abrindo caminho para tentativa de golpe da Marinha na Junta, "em substituição ao Exército".
Ao chegar em Brasília, na sexta-feira 3 de abril, o chanceler Guerreiro recebeu um pedido inusitado: rascunhar o "pensamento do senhor presidente" para "informação aos ministros", inclusive os do Exército, Marinha e Aeronáutica. Escreveu algumas recomendações. Uma delas: evitar "declarações de autoridades militares". Figueiredo aceitou.
Era uma trapaça da História: diante de uma guerra, o último general-presidente da ditadura brasileira subordinava os seus comandantes militares à condução civil da diplomacia.

Fonte: Infoglobo  24/04/2012

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Mulheres sauditas se dividem quanto a liberdades

Mulheres sauditas se dividem quanto a liberdades

Por KATHERINE ZOEPF - The New York Times - Folha de S. Paulo - 12/07/2010

Rob Griffth/Associated Press
Homens e mulheres formam escultura humana em praia australiana; muitos países ainda lutam para oferecer igualdade de direitos às mulheres, mas no Oriente Médio há quem rejeite essa hipótese

JIDDA, Arábia Saudita - Aproximadamente dois anos atrás, Rowdha Yousef começou a notar uma tendência perturbadora: mulheres sauditas como ela estavam organizando campanhas por mais liberdade pessoal.
Ela ficou especialmente surpresa no ano passado, quando leu reportagens sobre uma ativista do leste da Arábia Saudita, Wajeha al Huwaider, que foi à fronteira com Bahrein e pediu para atravessar usando só seu passaporte, sem um acompanhante homem ou a autorização por escrito de um guardião.
Huwaider não teve permissão para deixar o país desacompanhada e, como outras mulheres sauditas que fazem campanha por novos direitos, não conseguiu -até agora- mudar as leis ou os costumes vigentes.
Mas Yousef continua revoltada, e em agosto passou a atacar as ativistas com as mesmas armas. Com outras 15 mulheres, iniciou a campanha "Meu guardião sabe o que é melhor para mim". Em dois meses elas haviam reunido mais de 5.400 assinaturas em um abaixo-assinado, pedindo "punições para aqueles que pedem igualdade entre homens e mulheres, a mistura de homens com mulheres em ambientes mistos e outros comportamentos inaceitáveis".
A luta de Yousef contra as supostas liberalizadoras faz parte de uma polêmica maior na sociedade saudita sobre os direitos das mulheres, que subitamente tornou o fator feminino uma questão importante para reformistas e conservadores que lutam para moldar o futuro da Arábia Saudita.
Yousef, 39, divorciada e mãe de três crianças (de 13, 12 e nove anos), é mediadora voluntária em casos de agressão doméstica. Uma mulher alta e confiante, com modos efusivos e sandálias de salto alto brilhantes, sua conversa abrange do racismo no reino (Yousef tem ascendência somali e chama a si mesma de saudita negra) a sua admiração por Hillary Clinton e às agressões que ela diz ter sofrido nas mãos das liberais sauditas.
Ela acredita que a maioria das sauditas compartilha seus valores conservadores, mas insiste em que a adesão à sharia (lei islâmica) e aos costumes familiares não precisa restringir a mulher que quer ter voz ativa. As ativistas no campo das reformas, ela diz, são influenciadas por ocidentais que não compreendem as necessidades e as crenças das sauditas.
"Esses grupos de direitos humanos vêm e só escutam um lado, o das que pedem liberdade para as mulheres", ela disse. Toda mulher saudita, independentemente da idade ou da posição social, deve ter um parente homem que atue como seu guardião e tenha responsabilidade e autoridade sobre ela em uma série de questões legais e pessoais.
Yousef, cujo guardião é seu irmão mais velho, diz que ela desfruta de grande liberdade enquanto respeita as regras de sua sociedade. Ela diz que pôde começar sua campanha, por exemplo, sem pedir a permissão de seu guardião.
O esforço de Yousef pode parecer supérfluo. Afinal, as mulheres sauditas ainda não podem dirigir carros ou votar e são obrigadas a vestir mantos até os pés, conhecidos como abayas, e lenços na cabeça fora de casa.
As mulheres não podem comparecer ao tribunal e, embora possam se divorciar por meio de breves declarações verbais de seus maridos, frequentemente acham difícil obter o divórcio elas mesmas. Os pais podem casar filhas de dez anos, prática defendida pela mais alta autoridade religiosa, o grande mufti Abdul Aziz al Sheikh.
A separação de gêneros na vida pública saudita é radical -há lojas só para mulheres, filas só para mulheres nos restaurantes de fast food e escritórios só para mulheres em empresas privadas.
Membros da hai'a, o Comitê para Propagação da Virtude e Prevenção do Vício, um órgão governamental, patrulha para garantir que não ocorra a ikhtilat, ou "mistura" dos sexos.
Enquanto conservadoras como Yousef atribuem a recente mobilidade das ativistas pró-direitos à influência ocidental, as liberais dizem que o próprio rei Abdullah apoia cautelosamente mais liberdade para as mulheres sauditas.
O rei de 85 anos apareceu em jornais ao lado de mulheres sauditas com o rosto descoberto, uma situação que antes seria inimaginável. No ano passado, ele indicou uma mulher para um cargo de vice-ministra.
O xeque Ahmad al Ghamdi, chefe do ramo de Meca do Comitê para Propagação da Virtude e Prevenção do Vício, causou sensação quando disse ao jornal "The Okaz" que a mistura de gêneros faz "parte da vida normal". Já o xeque Abdul Rahman al Barrak emitiu, em fevereiro, uma "fatwa" pedindo a morte dos defensores da mistura de gêneros.
Hatoon al Fassi, professora-assistente de história das mulheres na Universidade Rei Saud, em Riad, disse que a mudança será lenta. "As pessoas passaram a vida inteira fazendo uma coisa e acreditando em uma coisa, e de repente o rei e os principais religiosos estão dizendo que misturar-se é certo", disse Fassi.
Huwaider, a que foi criticada ao tentar atravessar a fronteira de Bahrein, concordou com a alegação de que a maioria dos homens sauditas "se orgulha de seu cavalheirismo". "Mas é o mesmo tipo de sentimento que eles têm pelas pessoas deficientes ou por animais", disse Huwaider.
Em um blog, Eman Fahad, 31, uma estudante de linguística, chamou a campanha de Yousef de um esforço para "se opor às mulheres que exigem ser tratadas como adultas".
Mas Fahad admitiu que a maioria das sauditas prefere a tradição. "Se você realmente conversar com as pessoas comuns", inclusive em seu círculo, disse, "verá que a maioria quer que as coisas fiquem como estão".

Gilberto Freyre

Retrato do sociólogo quando jovem

Confissões de Gilberto Freyre


Retrato de Gilberto Freyre por Paulo Pasta (óleo sobre tela)

resumo
"De Menino a Homem", volume inédito de memórias, revela as circunstâncias da gestação de "Casa-Grande & Senzala" (1933), obra-prima de Gilberto Freyre, durante temporada passada nos Estados Unidos, bem como suas impressões do ambiente intelectual brasileiro no século 20 e confidências sexuais e familiares do autor.

FABIO VICTOR
ilustração PAULO PASTA
EM 1931, QUANDO RECEBEU GILBERTO FREYRE como professor visitante, a Universidade Stanford era, no dizer dele mesmo, uma escola de estudantes "ricos, eugênicos e belos", "talvez a mais aristocrática dos Estados Unidos, então", e abrigava "a maior Brasiliana da época em qualquer parte dos Estados Unidos ou, talvez, do mundo", organizada pelo reitor ?John Casper Branner, geólogo e brasilianista.
Freyre tinha 30 anos. Vinha de Lisboa -onde se exilara depois da a Revolução de 30 e "por vezes, passara fome"- a convite do professor Percy Alvin Martin, que, a crer no convidado, avaliou como "obra-prima" a tese que o jovem acadêmico defendera em 1922 na Universidade Columbia, "Vida Social no Brasil nos Meados do Século 19".
Para quem foi alfabetizado em inglês, formou-se em artes em Baylor, no Texas, pós-graduou-se em Columbia e acabava de passar por um aperto em Portugal, o novo ambiente causou encanto súbito e ajudou a produzir grandes coisas. Se foi em Lisboa que Freyre teve a ideia de escrever "Casa-Grande & Senzala", Stanford seria o laboratório e nascedouro da obra, lançada em 1933.
"Os programas que comecei a elaborar para os dois cursos que iria professar se tornariam os primeiros esboços desse futuro livro", relata Freyre no inédito "De Menino a Homem" [Global, 256 págs., R$ 59], que sai às vésperas da Festa Literária Internacional de Paraty. O sociólogo pernambucano é o homenageado da Flip neste ano, de 4 a 8 de agosto.
Num tom memorialista, próximo ao de um diário, o livro abrange histórias de 1930 ao início dos anos 80. É a continuação de "Tempo Morto e Outros Tempos" (1975), memórias da adolescência e primeira juventude, que cobrem de 1915 a 1930. Reúne fac-símiles de cartas e cartazes, um anexo com artigos de jornal escritos por Freyre e um álbum de fotografias.

DE VOLTA Ao deixar a universidade californiana, Freyre conta que "Casa-Grande & Senzala" já estava "nas suas bases, estruturado". De volta ao Brasil, o amigo Rodrigo Mello Franco de Andrade lhe consegue como editor o poeta Augusto Frederico Schmidt, com quem Freyre travaria uma "dura e humilhante" batalha para receber os adiantamentos.
"Um teste severo para um pernambucano sem vocação de pedinte de favores. O que eu entendia era haver um contrato. Que esse contrato me dava direitos", conta ele. "Mais de uma vez, entretanto, ao ir à livraria do editor, notei que Schmidt procurava esconder o vasto corpanzil atrás de um não de todo pequeno cofre, com o caixeiro dizendo-me estar o Sr. Schmidt ausente."
Os originais de "Casa-Grande & Senzala" foram datilografados pelo artista plástico Luís Jardim. Os leitores seguintes foram Manuel Bandeira e Rodrigo M. F. de Andrade, segundo Freyre "dois amigos que de início se mostraram de todo identificados com a obra para eles originalíssima". No embarque do vapor que levou os originais do Recife para o Rio, parte das páginas caiu no mar. Não havia cópia, e "recuperou esses originais um bom marinheiro".
Um festão celebrou o que Freyre define como "êxito imediato do livro": "Nunca, numa festa do Recife [...] correu tanto champanhe. [...] Nem houve tanto descontraído abraçar e beijar".

BRILHO NOS OLHOS Já que a modéstia nunca foi o forte do autor, a obra é por demais autorreverente. Freyre muitas vezes fala de si na terceira pessoa. Numa passagem, conta que, apoiado na teoria de um psicólogo americano que identificaria os gênios pelo brilho dos olhos, o tal professor Martin lhe tomou por um. "Confessou-me [...] ter se impressionado com o brilho dos meus olhos. Confirmavam suas suspeitas."
No ambiente político polarizado da ditadura de 1964-85, no entanto, não havia quem enxergasse brilho nos olhos do sociólogo. Ele se queixa da pouca repercussão de sua obra no Brasil, fruto, diz, do "patrulheirismo" que vigorava em "semanários e jornais", na forma de "silêncios como que articulados, coordenados, sistemáticos" -e combate as "agressões intelectuais" sofridas, citando Nelson Rodrigues, outro que enfrentava o isolamento.
Criticado também na academia, Freyre (contra-)ataca a USP, onde Florestan Fernandes encabeçava uma sociologia científica oposta às ideias do pernambucano. Repele o "submarxismo sectariamente ideológico" dos colegas paulistas, mas faz uma exceção: "O que de modo algum inclui um marxista do tipo de Fernando Henrique Cardoso". FHC fará a conferência de abertura da Flip, sobre a obra de Freyre, debatendo com o historiador Luiz Felipe de Alencastro.
O livro inédito traz também comentários sobre as experiências políticas do intelectual, como o mandato de deputado federal constituinte em 1946 e a recusa ao convite de Getúlio Vargas para integrar seu governo, em 1937. O autor diz ter sido informado, depois da recusa, de que Vargas queria fazê-lo ministro da Educação "e, na época, creio que também de Saúde". O ditador, diz Freyre, fechou a cara. "Mas concordou em nomear um obscuro cunhado meu para fiscal de consumo."
A experiência em Stanford na concepção de "Casa-Grande & Senzala", assim como o acabamento e a recepção à obra, dominam "De Menino a Homem", ao lado de confidências sobre sexo, religião e família, contadas sem o menor embaraço.

EFEBOS Freyre se gaba de suas conquistas, como a "linda californiana" que conheceu em Stanford ("Fez-me [...] um elogio sensibilizador: que, como latino, eu sabia agradar mulheres, um modo, para ela, nem sempre dos jovens anglo-saxões"), e as experiências homossexuais que teve quando jovem, "sempre rarissimamente, com efebos que teriam se oferecido a mim".
Refere-se a "dois casos, rápidos e experimentais, por pura iniciativa deles", em Oxford -"Tão nórdicos, eles, como o de meu caso na Alemanha". Alude aí ao episódio com um jovem michê na Berlim de 1922. "Eu próprio, diante de lindo efebo louro, não resistira aos seus encantos. Deixara-me masturbar por ele, com Vicente do Rego Monteiro servindo de tapume."
Ao elogiar a culinária de San Francisco, observa que a comida confere feminilidade à cidade. "E como que acentuava, nas californianas, seu 'sex appeal'. Sexo e paladar andam, por vezes, juntos. Mulher que não se interessa por culinária dá ideia de não ser de todo 'sexy'."

CONVERSANDO COM DEUS Freyre conta que sua formação religiosa deixou de ser "convencionalmente católica romana, para tomar aspectos individualmente protestantes ou evangélicos". À sua maneira, mostra preocupações com "essa questão da linguagem em que o homem se comunica com Deus", considerada "de uma extrema importância".
Preferia rezar numa liturgia própria. "Quando, conversando com Deus, abordo assuntos sexuais, que palavras uso para designar fatos dessa espécie? Só as eruditas? Só as elegantes? Só as cerimoniosas?", indaga-se.
"Devo dizer que não. Por vezes, decido que Deus prefere que, como seu íntimo, seu amigo, seu confidente, os termos relativos a coisas de sexo sejam os cotidianos e até, dentre os cotidianos, os mais crus. Caralho, por exemplo. Não há sinônimo [...] que diga o que diz. [...] O mesmo quanto a foda: foda é foda. Boceta é boceta. Enrabar é enrabar."
O escritor é menos cru ao falar dos pais (mais da mãe, Francisca, que do pai, Alfredo), do irmão Ulysses, do casamento com Magdalena, "a esposa certa, ideal, materna", e do primeiro amor adolescente, Dulce Ribeiro de Brito.
"De Menino a Homem" termina de forma abrupta, com o relato, "quase de teatro de Ionesco", de um episódio com a baronesa de Estrela, personalidade do Império (1822-89) que colaborara com depoimentos para livros anteriores do escritor. Ela teria levado o sociólogo a seu "apartamento íntimo" em Copacabana, fazendo-o comprovar como seus peitos eram "duros, eretos e jovens".
Tratava-se de uma mulher bonita. E, assim como outros amantes mencionados no livro, tinha um atributo que costumava encantar Freyre: a baronesa era loura.

O fantasma da Itália


Culto à imagem de Mussolini assombra democracia no país

*Renato Grandelle* O Globo - 10/07/2010


Benito Mussolini foi assassinado há quase 65 anos, mas seu fantasma ainda ronda a Itália. Imagens e frases do ditador fascista são tema de provas, discursos e pôsteres. O fenômeno não é novo, mas ganhou fôlego este ano e nas últimas semanas se tornou evidente. O Duce, como era conhecido, foi citado por Silvio Berlusconi justamente em uma ocasião em que o premier quis negar a fama de poderoso e ganhou outra menção polêmica no vestibular nacional, duas semanas atrás. Em uma questão da prova de italiano, os alunos eram instruídos a analisar uma frase em que ele tecia elogios à juventude. Imagens de Mussolini não são raras no centro histórico romano. Dezenas de bancas dedicadas à venda de souvenires, como cartões postais e miniaturas do Coliseu, incluíram em seu catálogo pôsteres de Mussolini. E um aplicativo de iPhone com os discursos do ditador está entre os mais baixados. O fantasma fascista assusta, mas não surpreende os historiadores. Tratase de uma nova guinada no volúvel relacionamento da Itália com seu antigo líder. Já no fim da Segunda Guerra, Mussolini foi tirado do poder e fuzilado por guerrilheiros da Resistência. A imagem de um país que bateu de frente com o ditador permeou as décadas seguintes, mas enfraqueceu nos anos 70, quando novas pesquisas mostraram uma sociedade que, em boa parte, respaldou os crimes do ditador. As décadas seguintes trouxeram a globalização e, com ela, um Estado nacional cada vez mais frágil. A chegada de imigrantes do norte da África e do leste da Europa expuseram a crise de identidade do país. Saudosistas e intolerantes refugiam-se na busca de um tempo mais altivo e guerreiro. Não raro, recorrem à imagem de Mussolini. Boa parte dos movimentos autoritários nutre-se da imagem de um Estado nacional perturbado com a circulação das populações ressalta Maurício Parada, professor de História Contemporânea da PUC-Rio e organizador do livro Fascismos: conceitos e experiências. As fraturas do cenário político italiano e a crise da identidade cultural explicam por que imagens de Mussolini podem ser compradas no meio da rua. Por enquanto, a fala grossa da extrema direita não provoca mais do que espasmos. Parada acredita que a democracia italiana é sólida demais para rachar diante de invocações ao Duce. A socióloga italiana Simonetta Falasca Zamponi, autora de Espetáculo fascista: a estética do poder na Itália de Mussolini, concorda com o colega brasileiro. O revisionismo sobre Mussolini acontece já há alguns anos. Faz parte da guinada à direita da política e cultura italianas, uma reação contra a Resistência e seus mitos analisa. Sobre o futuro, é difícil prever, mas me parece que as condições históricas atualmente são diferentes demais daquelas vistas logo após a Primeira Guerra Mundial para que um fenômeno como o fascismo possa se repetir. Ainda assim, a polêmica presença do ditador ganhou força com dois golpes seguidos. O primeiro veio ainda em maio, quando um repórter perguntou a Berlusconi se os governos nacionais não perderam parte de sua soberania, visto que suas decisões para conter a crise econômica não foram acatadas pelo mercado. O primeiro-ministro lembrou-se imediatamente de uma frase do diário de Mussolini obra de que é entusiasta. Eu não tenho nenhum poder, disseram ambos. O fascista ainda completou: Talvez tenham os líderes, mas eu não. Posso decidir se o cavalo vai para a direita ou a esquerda, mas nada mais. Berlusconi me parece ser um emérito ignorante em termos históricos, e não creio que entenda o que de fato foi o fascismo condena Simonetta. Ele é claramente atraído pela perspectiva de um poder que não possa ser questionado. Mussolini, com esta frase, diz que o poder não está concentrado em sua figura, mas que ele é o meio para o poder se realizar alerta Parada. Esta é a síntese de um projeto autoritário, porque todas as outras alternativas de organização, como partidos e sindicatos, são eliminadas. Quando Berlusconi a lembra, manifesta um desejo de autoridade. Duas semanas atrás, Mussolini emplacou outra pérola, desta vez na prova de italiano do vestibular nacional. Um dos exercícios exigia a análise de quatro frases, todas sobre o papel dos jovens na História e na política. Assinavam as citações, além do ditador, o comunista Palmiro Togliatti, o democrata cristão Aldo Moro e o Papa João Paulo II. Comparar ideólogos tão diferentes, para historiadores ouvidos pela imprensa italiana, não é problema. O que provocou o debate foi a frase escolhida para representar o Duce. A citação, retirada do contexto original, pertencia a um discurso em que Mussolini versava sobre o assassinato do deputado socialista Giacomo Matteotti, sequestrado e morto em 1924, três semanas após denunciar o Estado policial na tribuna do Parlamento. Aqueles que não conseguem associar (a frase) ao contexto histórico de opressão podem reter-se na retórica com que Mussolini usou o conceito de juventude alertou o historiador Claudio Pavone, em reportagem do jornal La Repubblica. Colocar aquela frase e outras citações sob um título genérico me parece um modo perigoso de despolitizar o fascismo. E o risco de que o aluno não associe o discurso à ocasião é grande, segundo Simonetta: Infelizmente a juventude não sabe muito sobre o fascismo, assim como eu não sabia quando era jovem. Esta sempre foi uma grande falha do ensino italiano. Dependemos da qualidade do sistema escolar para saber quantos reagiriam à retomada de um sistema político semelhante ao de Mussolin